domingo, 4 de dezembro de 2016

O apartamento.


Jonivan conheceu Andrea no trabalho. Os dois são professores. Ela dá aulas de Matemática e ele, História do Brasil. O rapaz foi recentemente aprovado em um concurso e finalmente apresentado aos colegas em uma reunião.
 – Este é o Jonivan, nosso novo professor de História. Eu gostaria que todos vocês  dessem alguma atenção a ele, pois é novo na cidade, precisa de lugar para morar, precisa de umas dicas sobre transporte, compras, lazer, essas coisas. – Introduziu a Diretora.
Desde o primeiro momento houve troca de olhares entre Jonivan e Andrea. A visão do outro parecia oferecer a cada um justamente aquilo que esse um necessitava.
      Eu sei de um apartamento que está alugando. Não é longe daqui. O local é tranquilo, o ônibus passa a duas quadras, tem farmácia, padaria, tudo perto. Vocês lembram do lugar que eu morava, com o meu ex-marido? – Adiantou-se Andrea.

      Ah, eu lembro. Dá até pra ir de bicicleta, se você não for sedentário. Você pedala, Jonivan? – cortou Matilde, a professora de Educação Física. As duas trabalham na mesma escola e também em uma escola para adultos há mais de dez anos. Nunca tiveram uma briga séria. Matilde e Andrea são amigas confidentes, que sabem tudo, ou quase tudo, sobre a intimidade da outra pessoa.

      Não, eu não tenho bicicleta. Mas tem ônibus, não tem? – Devolveu Jonivan, que não faz o tipo esportista.

      Sim, você só precisa caminhar duas quadras. Além disso, a casa está mobiliada. – Continuou oferecendo Andrea.

Jonivan acabou aceitando a oferta. Parecia-lhe bastante conveniente. O aluguel não era caro, o ponto era bom e o acesso ao trabalho seria fácil. A mudança aconteceu ainda na primeira semana que Jonivan chegou. Andrea intermediou as negociações com o ex-marido, atual proprietário do imóvel, e Jonivan nem precisou cumprir as burocracias normalmente exigidas pelas imobiliárias.
A transação do aluguel aproximou Jonivan de Andrea. Ela o convidou para conhecer a cidade e apresentou lugares que considerava especial. O entrosamento entre os dois foi imediato. Jonivan falava coisas que Andrea gostava de ouvir. Ela falava coisas que ele gostava de ouvir. Ele gostava de olhar para ela e ela gostava de olhar pra ele. Eles se beijaram numa noite de lua cheia, uma semana depois que ele se mudou para o apartamento.
A vida estava boa para Jonivan. Recebia seus primeiros salários como professor de um Instituto Federal, morava bem na capital do estado, tinha uma namorada bonita e estava cheio de planos para o futuro.
Andrea também estava feliz com o novo namorado. Mas evitava visitar o apartamento onde morou com o ex-marido. A primeira discussão que tiveram foi justamente sobre isso:
-       Eu prometi pra você resolver a transação dos documentos, mas eu não queria entrar naquele apartamento. Eu não quero entrar naquele lugar. Você vem dormir comigo, no lugar que é meu. -  Disse com firmeza Andrea.

-       Eu entendo que o apartamento traz más lembranças... – disse Jonivan, em tom compreensivo, sem querer discutir.

-       Eu tenho péssimas recordações daquele lugar. E o que o sacana do Osvaldo fez comigo não se faz com ninguém! – continuou Andrea.

-       Mas o seu problema é com o apartamento ou é com o Osvaldo, que tirou o seu apartamento na justiça? – retrucou Jonivan.

-       O apartamento me lembra o que o Osvaldo me fez. Foi terrível. Eu me senti a criatura mais desamparada da face da terra. Eu não quis voltar para a casa da minha mãe. Vivo até hoje de aluguel, você sabe. – explicou Andrea.

-       Tá, mas você foi lá fazer negócio com ele, mesmo sabendo que é um canalha. Eu nunca vi esse dono do apartamento. Você fez toda a negociação e agora vem dizer que o apartamento te lembra o ex-marido?

-       Ai, meu bem. Você precisa me entender. Não gosto de falar nesse assunto. Eu fiz a negociação porque eu sabia que você estava precisando de um lugar pra morar. Ainda existe generosidade neste mundo, tá me ouvindo? Eu engoli meu orgulho, fui ao escritório dele (Osvaldo é advogado) e falei que tinha um amigo querendo alugar o apartamento. Ele ainda riu de mim, falou que eu seria a fiadora. Que se você não pagar o aluguel, ele vai tomar o meu carro. Ele é um monstro, filho da puta. – desabafou Andrea. – Enfim, ele concordou e você está bem alojado, isto que é importante!

Um ano se passou desde a discussão. O assunto do ex-marido nunca mais voltou à pauta das discussões. Andrea seguia resistente em visitar Jonivan no apartamento e ele a respeitava. O casal, praticamente, vivia no apartamento que ela alugava, mais distante da escola e menor que o de Jonivan. Não havia filhos.
A vida estava boa para Jonivan. Recebia seus salários regularmente, morava bem na capital do estado, tinha uma namorada bonita e estava cheio de planos para o futuro. Entre esses planos, estava o de comprar a casa própria. Achou por bem revelar suas intenções à namorada.
-       Andrea, meu amor, o banco liberou o empréstimo. Agora posso comprar uma casa ou um apartamento. Acho mais viável um apartamento.

-       Que ótimo, meu bem. É um sonho que está sendo realizado! Estou muito feliz por você. Vou te ajudar a procurar. A Matilde teve um namorado corretor de imóveis, acho que pode ajudar. -  respondeu Andrea.
Matilde era confidente de Andrea, mas não sabia o que se passava na mente da amiga. Matilde colocou Jonivan em contato com o corretor e ele começou rapidamente a procura.
Em meio à indecisão de Jonivan, Andrea trouxe de volta o assunto silenciado:
-       Meu amor, você quer saber uma coisa? Eu voltaria naquele apartamento, um dia, se eu fosse dona dele.
-       O que você quer dizer com isso, minha linda? Você quer que eu compre o apartamento, pra gente morar nele?
-       Eu só estava pensando alto... 
-       Não, você está fazendo uma proposta.
-       Você gosta do apartamento, não gosta? Eu poderia ser muito feliz ali com você.
-       Vou pensar seriamente sobre isto.
Jonivan pensou e pensou. Interrompeu as buscas. Já não achava graça nos outros apartamentos. Dizia para si mesmo que estava satisfeito no apartamento alugado desde quando chegou na cidade. E além de um bom negócio, ele pensou em fazer a namorada feliz. Assim que pegasse os documentos, pediria sua mão em casamento. Seriam felizes para sempre no apartamento que ele gostou e que exerce uma força misteriosa sobre ela.
Matilde estranhou a decisão e indagou Andrea:
-       Que maluquice é essa, mulher? Você vai fazer o cara comprar o apartamento do seu marido? E vocês vão viver lá? Acho que você enlouqueceu. E o Jonivan, coitado, enlouqueceu junto.
-       Não tem maluquice nenhuma. Eu acho que esse é um momento de mudança na minha vida. Eu mereço, você não acha? Já sofri muito. Vou dar a volta por cima, você vai ver. – respondeu Andrea.
-       Eu só não sei que volta é essa que você está querendo dar...  -  Matilde demonstrou seu incômodo com a situação.
Jonivan, finalmente, iria conhecer Osvaldo, para assinarem os papéis e transferir o título do apartamento. Encontraram-se todos no cartório: Jonivan, Andrea e Osvaldo que provocou o comprador:
-       Você está com a minha ex-mulher e agora quer comprar o meu apartamento. O que mais você quer de mim? Quer o meu dinheiro também? – e riu mostrando todos os dentes
Jonivan não respondeu. Preferiu o silêncio e pensou consigo que esta não era sua vingança, mas a da namorada. Nos últimos dias, ela o convencera a fazer o termo de compra e venda em seu nome. Seria sua volta por cima contra o ex-marido. Quando chegaram os papéis para assinar, Osvaldo fez uma cara de susto no momento em que Andrea tomou a frente para assinar. Na sua vez, ele fez objeção:
-       Ei, isso não vale. Eu não li esta última versão.
-       Deixe de cena, Osvaldo, você já recebeu o dinheiro. Assine logo e me devolva o que é meu. – disse Andrea, com ar triunfante que deixou Jonivan orgulhoso.
O casal foi direto para o apartamento recém comprado. Tudo como Jonivan havia planejado. Ele fez o pedido de casamento na sala. Ela ficou emocionada e chorou muito. Chorou pelo retorno ao velho apartamento e chorou pelo pedido de Jonivan. Tiveram uma noite de amor como jamais tiveram antes.
A vida estava boa para Jonivan. Recebia seus salários regularmente, morava bem na capital do estado, tinha uma noiva bonita e um apartamento. Até que um dia, chegando em casa após um rotina extenuante de aulas, não conseguiu entrar em casa. A fechadura fora trocada. Ficou desesperado. Gritou por Andrea. Xingou Andrea. O zelador do prédio apareceu, com duas malas grandes. Eram as roupas e os pertences de Jonivan. O homem também entregou um bilhete.
-       Querido Jonivan. Osvaldo e eu decidimos recomeçar o nosso casamento. Estamos saindo de viagem para comemorar. Na volta, vamos morar no apartamento. Estou muito feliz. Obrigada por tudo, sua amiga, Andrea.
Jonivan ficou sem entender nada. Recomeçar casamento? Morar com o outro no apartamento? Amiga? Depois de toda a dedicação? Ele não podia organizar as ideias. Não queria acreditar. Mas o zelador com expressão de pena não deixava ele se enganar. Fora brutalmente apunhalado. A pessoa que ele mais confiou e que ele amava mudou a fechadura da porta e decidiu trocá-lo pelo ex-marido. Ou talvez fosse um golpe premeditado, imaginou...  E isto o fez sentir-se ainda pior.
- E ainda por cima estão curtindo com o meu dinheiro! – concluiu, transformando o desespero em ódio.
Tomado por uma fúria incontrolável, Jonivan jogou-se contra a porta diversas vezes, tentando arrombar, e só parou quando machucou o ombro. Começou a chorar copiosamente. Estava arrasado. Foi traído pela pessoa que amava, ficou sem mulher, sem apartamento e sentia-se vitima de uma golpe. Chutou as malas, quebrou vasos de plantas no corredor do edifício, insultou o zelador e saiu correndo em direção à rua. Sem pensar muito, seguiu correndo até a avenida onde se pega o ônibus. Não parou. Chorando, cruzou a avenida correndo e se chocou contra um carro que passava em alta velocidade.
Matilde foi quem avisou a família.

domingo, 23 de outubro de 2011

segunda-feira, 4 de julho de 2011

“Just wait for it”

O jovem está na pista de dança. Acompanhado de dois amigos solteiros e um casal. É verão, os rapazes bebem cerveja na pose típica de quem está “caçando”, devorando com os olhos todas as belas meninas com pouca roupa que atravessam a vista, entre uma e outra golada apressada na latinha. O casal dança coladinho e troca beijos e carícias.

Mentalmente, ele diz para si mesmo:

- Eu deveria chegar naquela garota, ela é a mulher mais bonita do lugar. Eu me dou bem com as morenas, tenho boas chances, vou atacar...

Mas o corpo não responde imediatamente, existe uma timidez que é mais forte do que o desejo da mente.

- De onde vem esta insegurança? Eu não tenho nada a perder. O máximo que pode acontecer é ganhar um não. Isto não é nada demais. – pensou.

E ele vai, dá uma golada definitiva na cerveja, deixa a latinha cair no chão e vai, caminhando triunfante até a morena sentada próxima ao balcão do bar. Ela veste uma saia curta e revela, com suas pernas cruzadas, muita sensualidade.

O rapaz se aproxima e puxa conversa. A moça é simpática e aceita a aproximação.

Em sua imaginação, o futuro já estava traçado:

- Moleza... vou beijar. – pensou.

E ele toma a iniciativa sem estar convidado. A jovem vira o rosto para o lado e afasta o tronco do rapaz com as mãos.

- Ei, você está muito apressado. Eu sou educada, não estou te dando bola!

Chega uma outra jovem e diz:

- Sai pra lá cara, vai caçar a sua turma.

E dá um beijo na boca da moça sentada, que diz:

- Mas não vai embora. Se você veio até mim é porque eu preciso te ensinar uma coisa.

- O que é? - disse o rapaz.

- Paciência.

- Paciência pra quê? A vida tá rolando e eu preciso pegar o que é pra mim.

- Mas para conseguir aquilo que realmente é pra você, você deve esperar. Olha... dá pra sacar que você é um cara tímido e veio aqui tentar pegar uma gatinha pra tirar onda com os seus amigos.

- Eu já peguei duas hoje!

- E gostou? Valeu a pena? Não fica um gostinho de quero mais?

Então ela abraça a companheira, coloca-a no colo, beija seu pescoço e passa as mãos suavemente pelos seios.

- Intimidade – ela disse – é a verdadeira conquista. Você pode beijar várias garotas e não perceber com qual delas você poderia passar uma deliciosa noite de amor. Talvez com todas, talvez com nenhuma.

- Você tem razão, mas o que fazer? É preciso tomar iniciativa.

- Seu problema é que está bitolado pelo discurso do “macho alpha”. “Just do it”, como diz o slogan do fabricante do seu tênis.

- E dai? – ele retruca.

- Seja um macho alpha, tenha o comando do seu destino, não abra mão de seus sonhos, o futuro está ao seu alcance, não perca o controle, mantenha o domínio sobre a sua vida. De fato, é difícil sobreviver com sucesso no meio urbano, imensamente influenciado por uma filosofia empresarial, sem a ansiedade das metas, não é mesmo? 4 contratos por dia... 5 mulheres por noite...

O rapaz balançou a cabeça em consentimento, e a moça prosseguiu:

- Mas as metas são criações da mente. Se liga. Não é a quantidade de experiências que você coletou, mas sim a qualidade dessas experiências que vai garantir a sua felicidade. Saiba encontrar o seu destino. “Just wait for it”. Não inicie, espere. Tenha paciência. Você será convidado. Então responda. Ação em reação. Não precisa ser pró-ativo; saiba viver enquanto um ser dotado de reatividade. Esteja alerta às oportunidades, pronto para investir sua energia no “timing” correto, sem precipitar os acontecimentos. O futuro não está sob controle. Não haja sob expectativa pré-estabelecidas. Mas saiba esperar pelo que vem em seu encontro.

E o rapaz voltou para junto de seus amigos.

- E ai cara, como foi? Pegou a gatinha?

- Não...

- Pô, você não tá com nada, hein. Eu já beijei 6 hoje e vou pegar mais váááárias.

- Vai lá, se você se sente bem assim. O que é bom pra você pode não ser bom pra mim. Vou agir com mais paciência daqui pra frente.

- O que deu em você? Viu alguma assombração?

Silêncio.

A noite segue. Bebida, música e gente bonita em volta.

Depois do fora, o rapaz ficou pensativo:

- Eu vejo várias mulheres que me atraem, mas não consigo perceber uma situação favorável. Afinal de contas, eu estou esperando o quê?

Sentou-se junto ao balcão. Pouco depois, senta uma bela jovem de cabelos negros ao seu lado. Ele olha, mas não ataca como da outra vez. Eles trocam olhares e sorrisos. O barman aparece e diz:

- Uma bebida para o casal mais bonito da noite?

Os dois se assustaram e responderam.

- Não somos um casal.

- Mas bem que poderiam ser... – devolveu o barman, abrindo seu largo sorriso.

Todos riram bastante. O barman se foi e eles começaram a conversar. A moça ficou muito interessada no rapaz. Descobriram afinidades e falaram ininterruptamente durante mais de uma hora. O beijo foi inevitável.

Em sua cabeça, o jovem não conseguia entender a intensidade do acontecimento.

- O que é isto que eu estou sentindo? Esta mulher me atrai de uma maneira integral.

O tempo passou rápido e os amigos apareceram para levá-lo embora.

- Fica mais, eu posso te dar uma carona – disse a moça.

Ele nem pensou e despediu-se dos amigos, que estavam exaustos após uma verdadeira batalha em busca de beijos. A moça do casal que os acompanhava disse:

- Você foi o que se deu melhor na noite, porque pegou a menina de jeito e ainda vai ganhar carona pra casa. Sortudo! Será que vocês vão pra casa mesmo? – e saiu sorrindo.

- Então, o que é que o casal vai beber? - voltou o barman.

Eles riram e pediram uma água. O céu já clareava quando saíram da festa.

- O dia está lindo, vamos ver o nascer do sol em algum lugar! – disse ele.

- Eu conheço um local ótimo! – respondeu ela.

Foram até um mirante, fora da cidade. Sentaram na grama e começaram uma troca de carícias. Em pouco tempo ele tirou a calça e ela subiu o vestido.

- Toma, põe a camisinha. – disse ela, com firmeza.

Fizeram sexo ali mesmo, com muita paixão.

O sol já apontava quase meio dia quando eles recolheram as camisinhas usadas para jogar no lixo e voltaram para a cidade. A jovem deixou-o em casa. Trocaram telefones e beijos, sem juras de amor apressadas.

- A noite foi perfeita. Adorei sua companhia. – disse ele.

- Eu também me diverti muito. Me liga pra gente combinar alguma coisa. – respondeu ela e se foi.

Na hora de dormir, ele pensou:

- Eu sabia que tinha sorte com as morenas, mas eu não sabia esperar...


sexta-feira, 19 de junho de 2009

A CIÊNCIA ESTÁ MATANDO A ARTE!!!

A intensidade dos estudos antropológicos levou a imaginação a um coma que ainda pode durar alguns meses mais...

sábado, 28 de junho de 2008

Gilberto, o candidato que não sabia mentir

Gilberto lançou-se na política por pressão dos amigos. Desde a adolescência demonstrava muito carisma; sempre foi muito bem quisto em todos os grupos de pessoas dos quais participou. Sempre foi muito querido na família, na escola, no futebol, no bairro, no curso de inglês, na rua... ; posteriormente na faculdade, no trabalho, e nos bares que freqüentava.

Diziam os mais íntimos que tinha vocação para a política. Conversava com todo mundo, sabia ser simpático mesmo quando era destratado, sabia respeitar as pessoas e fazer-se respeitado por sua amabilidade. Os amigos mais próximos batiam sempre na mesma tecla:

- Você tem que ser candidato a alguma coisa Gilberto. Muita gente na cidade gosta de você, acho que dá pra conseguir votos suficientes para pegar uma boquinha de vereador.

Seu maior incentivador era Rodrigo, puxa-saco de políticos desde os tempos de escola. Ele distribuía santinhos, servia de cabo eleitoral entre familiares e pais de amigos, e aos 18 anos estava filiado ao partido do manda-chuva da região. Graças às suas conexões e fidelidade ao influente Arnaldo Porfilho, herdeiro de grandes fazendas e descendente de uma tradicional linhagem de políticos, foi empregado na Fundação dos Porfilho. Não ocupava um cargo específico, sua função era mesmo de cabo eleitoral 24h por dia, fosse ano de eleição ou não.

Rodrigo organizou uma reunião entre seu amigo de infância Gilberto e o todo poderoso senhor Porfilho. Foi muito eficiente, como de costume, em convencer o velho a incorporar Gilberto na lista de candidatos a vereador daquele ano. Seria uma figura nova na política, não tinha nada em seu passado que pudesse prejudicar a imagem do partido, e o experiente Senador (Arnaldo Porfilho estava em seu segundo mandato como senador, era um sujeito realmente poderoso) logo vislumbrou a possibilidade de eleger o “amigo de todo mundo”. Foi este o slogan lançado para a campanha de Gilberto.

Mas ele tinha uma grave deficiência para a política, não sabia mentir. Porfilho não sabia disto; Rodrigo sabia, mas não comentou nada. Estava seguro de que as incontáveis amizades de Gilberto, que iam desde as pessoas mais simples às famílias mais abastadas da cidade, bastariam para sua eleição, não precisaria faltar com a verdade. Mas a sinceridade de Gilberto foi de encontro às necessidades da boa e velha política. Quando começou a campanha, o desastre foi inevitável.

O filho de Arnaldo Porfilho era candidato à reeleição como prefeito, seu nome: Arthur Porfilho. Partiram em comitiva para o bairro mais populoso do município, o candidato a prefeito, um vereador da velha guarda e a nova “celebridade” da chapa, Gilberto. Os tradicionais Porfilhos ficaram surpresos com a popularidade do rapaz. Ele era conhecido e querido em todas as esquinas da cidade, do bairro mais pobre ao mais rico. Todos gostavam de Gilberto. Nos cálculos dos profissionais da política, seria uma barbada.

Palanque montado, falou o candidato à reeleição:

- Meu querido povo de Pindorama. Vocês já me conhecem. Nosso trabalho sério vem gerando muito resultados para o desenvolvimento de nossa amada cidade... Queremos continuar nossos esforços para levar a nossa pequena Pindorama aos patamares da grande civilização... Peço-lhes mais um voto de confiança para seguir nosso eficiente trabalho à frente da prefeitura... Com minha experiência e reconhecida honestidade, nossa cidade avançou dois séculos em apenas quatro anos... Foram muitas obras para engrandecer nossa gente... Abrimos novas ruas, construímos um hospital, fortalecemos o jornal da cidade, fizemos muito pela consolidação da democracia pindoramense... Todos nós desfrutaremos dos resultados do progresso! Para seguirmos adiante, o voto certo é Arthur Porfilho!

Após uma hora de falatório, o povo aplaudiu. Não entenderam metade das palavras que o atual prefeito e candidato à reeleição disse. Ninguém nunca ouviu falar do tal hospital, ninguém viu as ruas novas, ninguém leu o jornal. Mas todos aplaudiram mesmo assim, por puro hábito de aplaudir políticos que fazem discursos intermináveis antes do esperado show da dupla sertaneja.

Mas antes do show, haviam os discursos dos candidatos a vereador. O primeiro foi o experiente Aldair Nunes, velho de guerra, eleito por quatro vezes consecutivas. Nunca foi a uma reunião da Câmara dos Vereadores, mas sempre ganha a eleição por ser dono de padarias espalhadas pela cidade e distribuir pão gratuitamente em época de campanha. O discurso foi no mesmo tom do prefeito.

- Queridos moradores do bairro Novo Cristo. Vocês já me conhecem... Sabem tudo o que já fizemos por vocês... Quero continuar meus bons serviços prestados à população de Pindorama... Jamais me esqueci das necessidades aqui do Novo Cristo... Se eleito, lutarei pela construção de uma escola!! ... Lutaremos pela melhoria das condições sanitárias... Junto com o prefeito Arthur Porfilho, resolveremos o problema da rede de esgoto... Votem Aldair Nunes, o nome que vocês já conhecem e confiam!!! Para seguirmos adiante, o voto certo é Arthur Porfilho!

O povo ficou extasiado com as promessas. Aldair nunca cumpriu nenhuma promessa de campanha. Mas o povo não reclama porque, pelo menos em época de eleição, ele faz a caridade dos pães. É recebido como um mecenas nos bairros mais carentes.

E chegou a vez de Gilberto. Foi aplaudido quando pegou o microfone. Ouviu da multidão inúmeras manifestações de apoio à sua candidatura.

- Amigos da cidade. Não tenho muita experiência com campanhas políticas. Nem sei ao certo o que é que um vereador faz. Não posso prometer escolas, não posso prometer hospital. Nem sei onde fica o hospital que o prefeito disse que construiu. A única coisa que posso prometer é respeitar o dinheiro de vocês e não me envolver em abusos de poder. Se eu for eleito, tentarei demonstrar com transparência todos os gastos realizados. Nossa campanha está gastando muito dinheiro, e os recursos vêm todos de obras que deveriam ser realizadas para o bem da cidade. Eu sempre disse a verdade é não é agora, que estou próximo ao poder, que faltarei com ela. Sei que esse show, tão aguardado, foi patrocinado pela verba do hospital, que nunca saiu do papel. Sei também que o dinheiro da escola prometida na última eleição serviu para ampliar as padarias. Sei também que o dinheiro que era para ser gasto com a melhoria das ruas, foi repassado aos candidatos a vereador que não tinham como arcar com as despesas de campanha. Eu tenho até vergonha de dizer que meus santinhos foram pagos com o dinheiro do asfalto que nunca chegou até aqui. Então, caros amigos de Novo Cristo, não posso prometer nada. O esquema já é muito poderoso. Eles dão pão em época de eleição e ficam com dinheiro das obras públicas para financiar as campanhas da próxima eleição. Quando me explicaram isto, achei um absurdo. Mas o que posso eu fazer? Conto com a ajuda de vocês para moralizarmos a política de nossa cidade. Não posso dar nada em troca, só posso pedir que acreditem em mim... (o microfone foi cortado).

O povo ficou em silêncio. O prefeito e Aldair Nunes se entreolharam. Eles mandaram desligar o equipamento de som. Ouviu-se da multidão algumas manifestações isoladas de apoio a Gilberto. Antes ovacionado, quando contou o que sabia, deixou as pessoas sem reação. Os eleitores não estão preparados para ouvir os fatos: querem pão de graça, querem ouvir mentiras sobre escolas e hospitais, mas não querem se envolver com os problemas de verdade.

Gilberto foi repreendido pela cúpula e, no dia seguinte ao seu desastroso discurso, foi tido por louco. Levaram-no para uma cidade vizinha, onde ficou internado e sedado. Os Porfilhos fizeram com que suas palavras fossem desacreditadas. Em um discurso triunfal, no centro da cidade, acompanhado de um show ainda mais popular que o anterior, o próprio Arnaldo Porfilho subiu ao palanque:

- Queridos cidadãos de Pindorama (com os dedos em riste e falando com muito entusiasmo). Tivemos um inesperado problema em nossa campanha. Nosso amado Gilberto, o amigo de todo mundo, sofreu uma crise gravíssima de esquizofrenia. Infelizmente não poderá participar de nossa gloriosa administração... Peço que todos rezem pela melhora do nosso companheiro de lutas... Nossa primeira ação, quando empossado o novo prefeito e os vereadores, será construir uma clínica municipal de atendimento aos que têm dificuldades de adaptação à sociedade assim como ela é. Faremos isto para o bem do amigo Gilberto e todos aqueles que, como ele, não conseguem enxergar a verdadeira verdade pura e cristalina... Avante Pindorama... Para seguirmos adiante, o voto certo é Arthur Porfilho e nossos vereadores!!!!

O povo não entendeu nada, mas aplaudiu euforicamente o discurso do senador. Distribuíram cerveja de graça e foi iniciado o show tão esperado , para alegria de todos!!!


* Qualquer semelhança com a realidade é... extremamente improvável.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O homem que nadou até o fim do mundo

Daniel era um homem pacato, de poucas palavras e praticamente nenhum amigo. Comunicava-se muito pouco, jamais reclamava de nada, e nunca ousava dirigir a palavra a alguém sem que antes lhe fosse dirigida. Respondia às indagações feitas quase sempre através de monossílabos. Dizia que sim, dizia que não, raramente proferia frases grandes para expressar suas emoções. Aqueles que o circundavam especulavam que não tinha emoções.

O que Daniel gostava mesmo de fazer era ficar sozinho, ouvindo música ou estudando. Ninguém jamais soube o que se passava em sua cabeça. Nem sua mãe. Segundo dona Maria, o menino sempre foi muito calado. Não gostava de brincar na rua com os outros da sua idade. Não teve namoradinhas; nem sequer um amor platônico, coisa normal entre os tímidos.

Durante sua infância e adolescência Daniel limitou-se a ir à escola, estudar silenciosamente as matérias, tirar notas boas, e odiar profundamente o professor de português da sétima série, que obrigava todos os alunos a lerem suas redações em voz alta diante da turma. Ah, como Daniel odiava o professor Hélio! Mas seu ódio, obviamente, era calado. Todas as mágoas dos dias de exposição frente à turma eram introspectivas. Jamais esboçou ato de hostilidade contra o educador ou seus métodos.

Aos 17 anos, sob pressão dos familiares, prestou vestibular para psicologia e passou em boa colocação. Mas na faculdade sua vida de calado ficou insustentável. Em sua cidade natal não havia universidade, e como era bom aluno, conseguiu passar na Universidade Federal, e foi morar na capital. Seu primo Evandro, que também estudava na capital, providenciou para que morassem juntos, mas Evandro, ao contrário de Daniel, era bastante popular e a casa vivia cheia de convidados.

Naturalmente os amigos do primo ganharam simpatia por Daniel, e se propuseram a ajudá-lo. Ele parecia um bom rapaz, mas tinha problemas de relacionamento, pensaram. Consideraram que seu problema era a timidez e resolveram patrocinar um encontro com uma profissional do sexo. Sendo um serviço pago, não precisaria conversar nada, era só ação. Mas Daniel tampouco era um homem de muita ação. Ficou inicialmente assustado com a desenvoltura da moça, não quis tocá-la; apenas deixou-se tocar por uma questão de educação. Não queria ofender a senhorita que, afinal de contas, não estava fazendo mal algum. Respondeu instintivamente aos estímulos, mas sexo sem atitude é uma coisa muito complicada. Daniel não esboçava nem uma reação de prazer, logo, a garota, achando aquilo muito estranho perguntou:

- Você é viado?


Ele nem respondeu. Olhou para a prostituta com olhar de desprezo e colocou de volta a roupa que a moça retirou. Daniel ficara passivo durante a experiência. A garota tirou sua roupa, acariciou as partes íntimas, beijou seu corpo e ele não fez nada. Não retribuiu os beijos, não tocou seu corpo, não disse uma só palavra. Quando a moça fez a pergunta ele simplesmente vestiu a roupa e foi para o banheiro, onde poderia ficar sozinho.

No banheiro Daniel sempre passava horas sob a ducha. Era o seu grande momento. No chuveiro não havia ninguém para lhe fazer perguntas que não queria responder; não havia ninguém para emitir comentários que não queria ouvir; ninguém para lhe obrigar a fazer o que não queria fazer; era só a água, caindo benevolente sobre seu corpo e o ruído constante do chuveiro elétrico que o induzia facilmente a um estado de meditação. O banheiro sempre foi seu lugar preferido. Era seu acontecimento perfeito de solidão; que durava indefinidamente até alguém bater à porta.

- Saí desse chuveiro menino, que você vai pegar um resfriado! – diziam os pais

- Desliga o chuveiro, porra, que a conta vai ficar muito cara! – diziam os colegas da república

Ou

- Sai daí Daniel, que eu preciso tomar banho pra encontrar minha namorada! - também os colegas da república.

A vida nunca foi fácil para um jovem extremamente calado que só comunicava o mínimo com os pais ou para resolver problemas do cotidiano como comprar comida e ir ao banco pagar as contas. Com o passar do tempo, Daniel foi nutrindo um desprezo profundo pelos outros seres humanos.

Na época que morava em casa, com os pais, ele tinha seu cantinho para ficar quieto e solitário. Os pais, no início, eram compreensivos com as dificuldades do rapaz; mas, com o passar do tempo, foram se impacientando e o obrigaram a fazer faculdade. Em criança, não atormentavam muito a vida do menino que sempre queria ficar sozinho. Daniel era ótimo aluno na escola e não costumava meter-se em confusões. Para os pais, nada melhor. Veio a adolescência e nada de Daniel fazer amigos na escola ou na rua; os pais, então, começaram a ficar preocupados. Quando o jovem fez 16 anos, Dona Maria e seu Pedro procuraram ajuda de psiquiatras e psicólogos, mas Daniel nunca deu continuidade aos tratamentos. Desde novo o jovem demonstrava bastante interesse pelas questões da psique humana, razão que levou os pais a incentivarem o estudo da psicologia para que, talvez, encontrasse sozinho a solução para sua própria dificuldade de relacionamento com o mundo à sua volta. Mas Daniel não queria freqüentar a faculdade, aos 17 anos já conhecia o pensamento desde Lao-Tse a Baudrillard, passando por Nietzche, Freud e Lacan; e sentia-se suficientemente instruído para refletir sobre sua peculiaridade. Não teve escolha, foi forçado a mudar-se para a capital e na faculdade, morando com o primo e outros colegas, vivendo a vida na cidade grande, as dificuldades se intensificaram.

Sair para comprar comida era um grande desafio. O que dizer, então, da necessária convivência com aqueles que dividiam o apartamento. Não eram más pessoas, mas ninguém permitia a Daniel o espaço que ele tinha em casa para ficar ouvindo música ou lendo solitariamente, ou simplesmente olhando para a parede sem pensar em nada. A vida em república é intensa. Todos compartilham experiências e se ajudam na tarefa de manter a casa em ordem e no desafio de tornar a vida com grana curta na cidade grande menos difícil. Mas Daniel teve dificuldade em se adaptar. Não conversava com ninguém; ouvia o que os outros diziam, mas só respondia “sim” e “não”; limpava a casa quando era o seu dia, mas raramente atendia o telefone e não dava recados aos colegas. Aos poucos, os outros, além do primo, começaram a implicar com as diferenças de Daniel.

Certo dia, na sala, enquanto todos assistiam ao filme “Náufrago”, alguém que não lembro bem, fez a brincadeira:

- E aí, Evandro, a gente deveria mandar o Calado pra uma ilha deserta, lá ele não ia sentir falta de nada. Não ia precisar nem da bola pra conversar.

Aquela brincadeira, diferentemente das outras tantas que Daniel já havia ouvido, foi como uma fonte de inspiração. O calado levantou-se da poltrona onde estava e caminhou em direção da porta, abriu e saiu.

Não era uma cena incomum ver Daniel levantar-se no meio de um filme, e sem falar nada, sair do apartamento para comprar comida ou dar uma caminhada. Ele nunca falava mesmo com ninguém. Então os moradores da república não estranharam em nada sua reação. Eles sequer imaginavam que o Calado pudesse prestar atenção em suas conversas.

Pois dessa vez Daniel não pretendia sair e comprar comida. O objetivo era sair da cidade e procurar um local afastado onde pudesse viver suas próprias leis. Ele buscava um mundo que ele pudesse governar sem precisar disputar nem falar com ninguém. Os seres humanos que passaram por sua vida, e todos os outros vivos que ele não conheceu também, ele considerava como macacos sempre propensos a violência e falastrões. Daniel detestava, mais do que todos, aqueles que falavam demais. Jamais teve paciência para ouvi-los, seja pessoalmente ou em discursos para grandes multidões.

Gostava muito de ler, detestava ouvir leituras. Durante as aulas, ficava sempre em silêncio, às vezes ouvindo música. Gostava de música, pois ela trazia para ele a emoção de quem compôs e de quem interpretava. Tinha admiração por Beethoven, mas também admirava Noel Rosa e Racionais MC’s. As vozes humanas, para ele, só tinham alguma beleza e passavam alguma mensagem significante se fossem utilizadas na forma do canto, expressando toda a sensibilidade do artista. Por isto nunca falou muito e não gostava de ouvir os professores. Não falava pois não ousava poluir o ambiente com asneiras tal qual o faziam todos os demais, sem ressalvas. O ambiente só poderia ser preenchido pelo som da música, que ele jamais fora incentivado a praticar e jamais tivera a coragem de tentar sozinho. Nunca aprendeu nenhum instrumento e tampouco aprendeu a cantar; o máximo que fez foi aprender autodidata a ler e ouvir em inglês para poder compreender as letras de Jim Morrison, Roger Waters e outros astros do rock.

Quando saiu de casa, tinha algum dinheiro no bolso e vestia um conjunto de moletom. Passou em frente ao restaurante, onde gastaria o dinheiro normalmente, olhou lá dentro e fez um comentário para si:

- Bela porcaria essa comida de vocês. E o pior é que todo mundo ainda paga pra comer esse lixo! Por isto estão todos sempre fracos e doentes.

Seguiu até o ponto de ônibus, duas senhoras de idade comentavam sobre o crime do mês, parece que um casal jogara a filha pela janela do sexto andar. Daniel não quis continuar ali esperando a condução ouvindo aquelas desgraças e resolveu seguir andando à pé até a rodoviária.

Dez quilômetros depois, entrou no terminal rodoviário da capital, percorreu os guichês das companhias e, bom conhecedor de geografia, escolheu a passagem para a cidade mais remota que seu dinheiro pudesse pagar. Não era muito longe da capital, a grana do jantar só dava pra viajar cento e cinqüenta quilômetros, mas já estava suficiente. Seu destino era uma cidade bem pequena, próxima a uma reserva ambiental. Um lugar de poucas pessoas e muito espaço para ficar sozinho.

Já era noite e a viagem só aconteceria no dia seguinte, pela manhã. Daniel, então, passou a noite na rodoviária. Não achou ruim, pois não havia ninguém para perturbá-lo e durante a madrugada a rodoviária silenciou. Aquele barulho constante das pessoas falando alto e o som ambiente da rodoviária com seus anúncios cessaram. Ele pôde ficar em silêncio ouvindo, ao longe, o radinho do segurança tocando canções populares. Não dormiu, estava ansioso com a aventura que se iniciava.

O ônibus partiu pela manhã, e chegou ao destino três horas depois, ainda antes do almoço. Mas Daniel não pretendia fazer amigos ou experimentar a comida da roça, que na sua opinião seria tão cheia de doenças quanto a comida da cidade. Chegando lá, desceu na praça principal e entrou direto em uma mercearia. Com o resto do dinheiro que ainda tinha comprou uma vara de pescar, um kit de anzóis e um carretel de linha de nylon, para eventuais acidentes.

No caixa, na hora de pagar, teve que fazer uma pergunta:

- Onde fica o rio mais próximo?

- É só o senhor seguir andando logo ali aquela rua que ela vai dar no rio, não tem erro. - orientou a menina do caixa.

Daniel seguiu satisfeito a indicação da moça e logo alcançou o rio. Mas estava ainda muito perto da vila e àquela altura do rio se encontravam muitos pescadores. Pescador é silencioso quando pesca, mas o Calado queria isolamento total. Decidiu, então, seguir intuitivamente contra o curso do rio. Foi subindo pela margem até que a mata foi fechando, foi fechando e já não se ouvia mais nada a não ser os cânticos dos pássaros e o barulho das águas.

Achou um lugar tranqüilo onde as águas passavam sem muita velocidade e foi pescar. Nunca havia pescado antes, mas teve fé de que não seria muito difícil conseguir um alimento para a primeira noite na floresta.

Enquanto isto, já fazia quase um dia que Daniel havia deixado a república. Seu primo ficou preocupado, foi à polícia, fizeram buscas pela cidade, anunciaram nas rádios e nada. Nenhuma pista, afinal de contas, o Calado não tinha amigos e pouca gente haveria de sentir sua falta. Evandro ligou para seu Pedro e dona Maria, e foi um choque saber que ele não voltara pra casa. Então ficaram todos desesperados. Dona Maria chorou muito. Ela ainda chora até hoje todos os dias o sumiço do filho único, de quem nunca mais tiveram notícia.

Mas Daniel não estava nem um pouco preocupado com a mãe ou o pai, ou o primo, ou os professores. Ele queria ser livre das pessoas. E agora parecia estar. Ali, à beira do rio, pode desocupar sua mente de todas as obrigações de estudante, de filho, de homem, de católico, de futuro psicólogo, de cidadão, e etc...

Conseguiu pescar um lambari. Mas então descobriu que tinha outro problema: fazer fogo e assar o peixe. Ele não fumava, logo, não carregava um isqueiro. Lembrou do filme e tentou fazer fogo com gravetos, mas foi em vão. Passou algumas horas limpando o peixe, bem devagarzinho, tirou as escamas, tirou as entranhas, conseguiu tirar alguma carne dos pequenos espinhos e, quando a fome apertou, comeu o lambari cru (com doenças e tudo).

Ficou cansado e dormiu à beira do rio. No meio da noite, sentiu muito frio e embrenhou-se na mata em busca de um local mais aconchegante para descansar. Por sorte era lua cheia e, apesar da mata densa, era possível enxergar um caminho. Andou pelo labirinto da floresta durante cerca de uma hora e deu de cara com uma rocha. Caminhou durante um tempo ladeando a pedra úmida coberta pela vegetação e acabou encontrando uma pequena gruta, com chão de terra batida e sem umidade. Não era confortável como seu quarto, mas já não fazia tanto frio quanto ao relento à beira do rio.

Pela manhã acordou sentindo algumas dores nas costas, mas não se alarmou. Estava contente pelo seu primeiro dia longe do mundo. Tinha a certeza de que, com o tempo, acostumaria com a nova cama e as novas condições de vida. Acreditava valer a pena abrir mão do conforto em prol da vida em retiro. Agora não tinha mais que ouvir os conselhos do pai, as festas intermináveis do primo, as reclamações e as piadas dos colegas, as lições dos professores , nem o desaforo da puta. Estava livre.

Uma vez livre das pressões exercidas pela sociedade, Daniel se soltou. De repente, o Calado, que nunca gostou de conversar com ninguém começou a falar:

- Olá senhora árvore, muito bom dia!!

- Bom dia também para o senhor, bem-te-vi!!

Nem notou que conversava com a natureza, chegou à beira do rio, pediu licença às pedras e sentou-se.

- Olá, queridos peixes. Desculpem a pouca cortesia, mas eu estou com fome, e preciso muito assassinar um de vocês em razão da minha sobrevivência.

Passou toda a manhã pescando e conversando com os pássaros, as pedras, a água, as árvores e os peixes pescados. Quando o sol chegou ao meio dia, e o calor ficou insuportável, Daniel recolheu o resultado da pescaria e foi para a caverna. Sua nova casa não estava tão longe da margem quanto pareceu durante a noite. A caminhada em linha reta não durava mais de dez minutos.

À entrada da gruta achou algumas pedras que poderiam servir para fazer fogo. Arrumou um monte de matinhos secos e riscou duas pedras uma na outra até que uma faísca ascendeu fogo nos gravetos. Conseguiu assar os peixes e comeu satisfeito.

Devidamente alimentado, Daniel não buscava conhecer as redondezas, só queria paz e encontrou paz naquela gruta. Passou o resto da tarde na porta de sua nova casa, ficou algumas horas calado e conversou bastante com as pedras e as árvores ao final do dia.

Passaram-se os dias e completou-se um mês. E ele praticava o mesmo ritual: pescaria pela manhã, almoço, contemplação e bate papo com a natureza à tarde, e dormia com o cair da noite. Estava contente.

Um belo dia o crepúsculo trouxe uma cor amarelada para toda a floresta. Extasiado, falou:

- Como é linda a cor do pôr-do-sol, não acha mãe?

Então percebeu. Estava falando sozinho. Logo ele que nunca dera importância a falar com ninguém, que sempre menosprezara o que os outros diziam. Estava conversando, mas sem diálogo, tal qual acontecia àqueles que tentavam conversar com ele.

Num instante começou a caminhar em círculos e falar, sem parar:

- Puxa vida, dona pedra, eu passei tanto tempo calado sem querer falar nada com ninguém e agora que estou aqui completamente isolado, comecei a falar.

- Mas eu afirmo, do fundo do meu coração, que me sinto muito mais a vontade para exprimir minhas idéias aqui na mata. Em casa, eu nunca podia dizer que meu pai estava errado, pois ele me xingava; quando perguntava à minha mãe por que a gente era obrigado a ir à missa toda semana, ela respondia: porque sim! Na rua, as outras crianças não gostavam de falar comigo, porque ninguém entendia minhas indagações filosóficas. Eu realmente não pertenço àquele mundo.

- Não pertenço ao mundo dos seres humanos como todos os gênios incompreendidos do passado. Eu sempre sonhei com o que seria a tal liberdade sobre a qual todos sempre falam e buscam, mas poucos conseguem alcançá-la realmente. Nem mesmos os meus ídolos, pois viviam cerceados pela vida no seio da comunidade a qual pertenciam. Não saberiam viver sem aplausos, elogios ou confortos. Somente os grandes aventureiros estão livres nesta Terra. Somente são livres aqueles que superam o medo de estarem sozinhos e reger sua própria vida sem padrões. Muitos escreveram sobre isto, mas poucos podem sentir o que eu estou sentindo hoje.

- Meu único limite ainda é a fome e o sono. Ou será que estou exagerando?

- Serei um dia capaz de transcender os limites físicos que aprisionam o meu ser? Eu desejo viver muito além do bem ou do mal, desejo ser além da dor, da fome, do frio...

- Mas esta busca incessante me tornará escravo do meu desejo...

- Agora compreendo. Quanto mais respostas eu buscar, menos respostas terei.

- Sócrates já disse isso, seu burro!!!

- O melhor mesmo é ficar calado.

Subitamente seus anseios passaram. Limpou sua mente, desta vez, da preocupação de encontrar respostas para sua existência ou de satisfazer desejos impossíveis.

Mais um mês se passou. Dia após dia, Daniel levantava, conseguia comida, satisfazia sua necessidade de ser vivo e contemplava as árvores, o rio, os peixes, as pedras, os pássaros e a gruta. Apenas contemplava, não dizia uma só palavra, não exercitava um só pensamento, apenas via, ouvia e sentia.

Até o dia em que se sentiu sozinho!

Nunca experimentara aquela sensação. Agora ele sentia falta da sua mãe, do pai, dos amigos da república e até do pessoal do restaurante. Após dois meses e alguns dias de retiro na mata ele desceu até a cidade para ver as pessoas, talvez estivesse curado, pensou.

- Não me adianta mais ser livre se não posso compartilhar minha liberdade. Não adianta mais contemplar a vida se não tenho com quem compartilhar minhas idéias e experiências. Retomarei minha vida de pessoa comum...

Chegando à vila, estava sujo, barbudo e cabeludo. Sua aparência assustou os moradores da pequena cidade; e seus modos mais ainda. Chegou à praça principal falando como um profeta:

- Olá, amigos que não temem a vida em sociedade... Devemos enfrentar nossos desafios... A convivência entre os seres humanos é um mal necessário.

As pessoas se entreolhavam e cochichavam. Os habitantes do local não gostaram muito daquela figura estranha que apareceu do meio do nada falando aos quatro ventos e fizeram com que calasse. Não foi preciso brutalidade, apenas a desaprovação pública fez com que Daniel parasse de falar. Ficou cabisbaixo, percebeu que ali também não era o seu lugar.

Um caminhoneiro que estava de passagem, ofereceu uma carona, o Calado aceitou.

- Aonde o senhor vai?

- Vou ao litoral – disse o motorista do veículo.

Daniel ficou quieto e deixou-se levar. Era um viajante que morava no litoral e estava na serra para realizar alguns negócios. A viagem demorou o dia todo e o calado não se manifestou contra nada e não pediu para que o motorista o deixasse ir.

Durante a viagem só o motorista falou:

- Porque a seleção isso... porque o presidente aquilo... e o combustível está muito caro...

E o Calado em silêncio.

- Fim da linha, profeta! Aqui você vai encontrar um monte de maluco assim como você, que gosta de falar pros outros no meio da praça. Mas vê se toma cuidado, se falar mal da religião ou do time de alguém, vai apanhar.

- Muito obrigado! - agradeceu, por educação, Daniel.

A reprovação de sua atitude de falar ao público fez Daniel retroceder ao que era antes e sua dificuldade de comunicação foi fatal no calor da vida litorânea. Não conseguia dialogar com ninguém. Não pensou em voltar para casa. Não tentou avisar sua família. A saudade que o acometera na mata, morreu, graças ao comportamento das pessoas da vila. O Calado passou dois dias dormindo como mendigo junto às rochas, próximo ao mar, e seu desprezo pelos seres humanos só fez aumentar nos primeiros contatos com a população praiana.

As pessoas vão à praia para se divertir e Daniel não suportava tanta gritaria de criança, tanto exibicionismo dos jovens, nem tanta sujeira feita pelos adultos. Passou caminhando por toda aquela gente que tomava banho de mar, bronzeava o corpo, praticava esportes, conversava, brincava, bebia e fumava. A praia estava realmente cheia. Ao caminhar, Daniel trombava com um, recebia um xingamento de outro, ouvia uma piadinha sobre sua higiene e, pouco a pouco, foi crescendo dentro dele um ódio profundo por aqueles seres.

Agora ele não mais desprezava os seres humanos, porém os odiava e odiava a si mesmo por ser um deles. Seu novo objetivo era encontrar uma forma de eliminar todo aquele sofrimento. A filosofia não bastava. Durante a temporada na floresta todos os questionamentos se mostraram inúteis.

Repentinamente interrompeu sua caminhada sem destino e voltou-se para o mar. À beira d’água, fitou fixamente a linha do horizonte. Estava hipnotizado. Pensou como sua família era rude e cheia de cobranças; pensou na ignorância das pessoas da cidade; pensou como as pessoas da vila o hostilizaram; pensou como as pessoas do litoral também o hostilizaram; lembrou contente do motorista de caminhão que o trouxera ao litoral sem cobrar nem um sorriso. Mas aquele era, para Daniel, o único ser humano respeitável do planeta; uma exceção à regra. Passou cerca de uma hora contemplando o horizonte em sua interminável tarefa de meditar sobre o sofrimento humano. O barulho das pessoas na praia o incomodava. Decidiu, então, que precisava ir aonde não houvesse ninguém, precisava encontrar um novo lugar, onde não houvesse nada, onde não houvesse sequer seu pensamento. Entrou no mar. Foi andando, andando, nadando, nadando, nadando até sumir na imensidão do oceano, em busca do fim do mundo!

segunda-feira, 24 de março de 2008

O Conde

Quando conheci o Conde, foi uma ótima impressão. Mas o que fazia aquela criatura tão requintada ali por aquelas bandas? Tão gentil e tão solitário. Minha curiosidade colocou-me em busca do seu passado. Inúmeras incógnitas. Infinitas desventuras. O deserto não é o lugar mais adequado para quem cresceu no luxo. O que levou essa criatura, filha da nobreza, a caminhar sem destino?

Nosso contato foi inesperado. Estava a contemplar o tardio pôr do sol patagônico, à beira-mar, quando o ser magnânimo apareceu pela primeira vez. Apareceu de repente, tal qual um enviado do Deus Sol, anunciando que o dia, enfim, viraria noite. Sem hesitar, aproximou-se e disse:


- Olá, senhor. Desfrutando o belíssimo pôr-do-sol das nossas terras?

- Sim, sim. São bonitos como os da minha terra, porém mais tardes...

- Hum... entendo. Já estive por lá. Mas lembro muito bem que o crepúsculo de onde vens é bastante diferente deste que ora contemplamos.

- Ora, amigo. Mal nos conhecemos, o senhor nunca me viu, como pode saber de onde eu sou?

- Fácil. Pela energia que carregas. Cada um de nós é um pedaço do lugar de onde viemos e, ao mesmo tempo, um pedacinho do tudo. Eu, ao longo dos anos, aprendi a interpretar a mensagem que os corpos vivos emitem através de suas vibrações. O senhor sabe disto, não é? Todos aprendem na escola que os seres vivos são condutores de eletricidade. Durante a nossa infância captamos muita força da terra onde nascemos e crescemos. Uma energia mais poderosa do que aquela que captamos na idade adulta nos outros pontos da Terra por onde passamos. O teu corpo, neste momento, está transmitindo ao meu, em maior quantidade, energias do lugar onde cresceu. Eu já estive por lá, então reconheço.

- Se o senhor é assim tão esperto, então diga: de onde sou?

O Conde abriu um sorriso, chegou mais perto, fingiu que farejava meu cheiro e disse:

- 21º , latitude Sul ; e 43º , longitude Oeste. Mais ou menos. – Sorriu – Carregas muita energia deste lugar.

- Nem eu sei onde fica isto. Não tenho aqui comigo nada para confirmar essas coordenadas. - O Conde interrompeu:

- Tu és do Brasil, da região das vertentes, nas Minas Gerais, onde o pôr-do-sol colore as montanhas com diferentes tonalidades de verde e as nuvens com incontáveis cores. Por aqui temos poucas nuvens, logo, menos cores no céu. Mas ainda assim, o pôr-do-sol no litoral da patagônia é inspirador, não achas?

Fiquei engasgado. Ele realmente sabia alguma coisa sobre mim. Como ele conseguiu fazer aquilo? Talvez eu morra sem aprender. Naquele momento, exclamei:

- Impressionante!!! – e perguntei – E o senhor, de onde é?

Deu uma gargalhada.

- Não lembro. – outra gargalhada.

- Não lembra ou não quer falar?

- Excelente pergunta, meu jovem. Não sei se quero lembrar.

- Mas e a energia que carrega do lugar onde cresceu?

- Deixei para trás, o que carregava em excesso. Eu preciso ser pedaços iguais de todos os lugares. Não posso ser como tu, que tens raízes muito fortes em um só lugar. Eu pertenço ao planeta inteiro.

A esta altura, já estava muito curioso para saber algumas coisas daquela figura perturbante.

- Há quanto tempo está longe de sua terra natal?

- Lá se vão cerca de 5 anos.

- Para um viajante, isto me parece pouco tempo.

- Lembra-te que a minha espécie vive menos que a tua. Nossa expectativa de vida é de 14 anos. Com sorte, quero chegar aos 16 ou e prolongar minha jornada.

- Por onde o senhor já viajou?

- Já vaguei pela Europa e estou quase completando as Américas de norte a sul. – mostrou-se orgulhoso.

- Inacreditável!!!!

- Gosto da minha vida. Conheço sempre criaturas muito interessantes, de todas as formas e origens. Certa vez, quando estava em 40º Norte e 73º Oeste, perto da sede das Nações Unidas, encontrei um homem da sua espécie que nascera bem pertinho de onde nasci e tinha contatos com as pessoas que eu conheci no meu primeiro ano de vida. Sei disto porque reconheci nele um pouco da energia daquela casa gigantesca. Foi ótimo sentir novamente a energia da minha mãe, que aquele sujeito elegante carregava.

Aproveitando o momento de sentimentalismo, fui rápido:

- Onde fica esta casa grande?

- 47º Norte e 9º Leste.

- Onde fica isto? - insisti.

- A casa onde meus pais moram até hoje está em Vaduz, Liechstestein. Eles moram no Palácio do Príncipe.

Fiquei surpreso com a informação. Por que alguém que nasceu em um castelo real abandonaria tudo para viver vagamundo?

- Qual seu nome? - enfim, perguntei.

- A pequena princesa me deu o nome de Conde. Muito prazer! - abriu um sorriso de satisfação.

Absorto pela curiosidade, segui fazendo perguntas sobre suas origens.

- Você foi batizado pela princesa?

- Sim, sim.

- E ela cuidava bem de você, senhor Conde?

- Desde que nasci, a pequenina sempre foi apaixonada por mim e dedicava-me muito carinho. Vivíamos grudados. Certamente, ela foi quem mais sentiu a minha partida.

- Mas se era tão bom, por que deixou a vida com a princesinha?

- Eu precisava conhecer o mundo. Senti este chamado da minha alma aventureira. Diferentemente dos demais da minha família, eu gosto de perambular e desbravar novos lugares em vez de ficar sempre ao lado do humano, fazendo tudo o que ele quer. Eu precisava ser livre, mesmo que isto custasse a minha vida de nobre.

- É realmente uma opção muito dura. O senhor não tem vontade de voltar a vê-la?

- Sim, claro que sinto. Tocaste, agora, profundamente meus sentimentos. Eis porque evito lembrar-me do passado. Nos primeiros dias de minha viagem, pensava constantemente no sofrimento daquela criança. Mas eu realmente não podia ficar. Um mundo cheio de surpresas aguardava ansioso a minha jornada.

- E qual o destino dessa sua jornada?

- Algum lugar, mas não tenho nenhum local premeditado. Os últimos ventos me trouxeram ao sul deste continente encantado e acredito que seguirei neste rumo até a latitude de 55º do hemisfério.

Fiquei sem perguntas e o Conde permaneceu ali, parado, contemplativo.

Ele rompeu o silêncio após alguns minutos:

- Meu jovem. Foi ótimo sentir novamente a energia da tua terra-mãe. Agora, devo partir. Fique em paz!

Virou-se de costas para mim e partiu, rumo ao sul.

Não me agüentei e gritei:

- CONDE, VOCÊ É LOUCO!!! - e continuei falando - onde já se viu largar um palácio com todo o conforto que alguém pode ter e gastar a vida toda procurando nada!!!

Então, o Conde deu meia volta, aproximou-se elegantemente e disse com um ar cordial:

- Quem acusas de louco, meu bom amigo? – uma breve pausa - É verdade que eu abandonei o luxo para seguir uma viagem longínqua e indefinida, mas és tu quem passou a última hora a conversar com um cachorro!!!