segunda-feira, 24 de março de 2008

O Conde

Quando conheci o Conde, foi uma ótima impressão. Mas o que fazia aquela criatura tão requintada ali por aquelas bandas? Tão gentil e tão solitário. Minha curiosidade colocou-me em busca do seu passado. Inúmeras incógnitas. Infinitas desventuras. O deserto não é o lugar mais adequado para quem cresceu no luxo. O que levou essa criatura, filha da nobreza, a caminhar sem destino?

Nosso contato foi inesperado. Estava a contemplar o tardio pôr do sol patagônico, à beira-mar, quando o ser magnânimo apareceu pela primeira vez. Apareceu de repente, tal qual um enviado do Deus Sol, anunciando que o dia, enfim, viraria noite. Sem hesitar, aproximou-se e disse:


- Olá, senhor. Desfrutando o belíssimo pôr-do-sol das nossas terras?

- Sim, sim. São bonitos como os da minha terra, porém mais tardes...

- Hum... entendo. Já estive por lá. Mas lembro muito bem que o crepúsculo de onde vens é bastante diferente deste que ora contemplamos.

- Ora, amigo. Mal nos conhecemos, o senhor nunca me viu, como pode saber de onde eu sou?

- Fácil. Pela energia que carregas. Cada um de nós é um pedaço do lugar de onde viemos e, ao mesmo tempo, um pedacinho do tudo. Eu, ao longo dos anos, aprendi a interpretar a mensagem que os corpos vivos emitem através de suas vibrações. O senhor sabe disto, não é? Todos aprendem na escola que os seres vivos são condutores de eletricidade. Durante a nossa infância captamos muita força da terra onde nascemos e crescemos. Uma energia mais poderosa do que aquela que captamos na idade adulta nos outros pontos da Terra por onde passamos. O teu corpo, neste momento, está transmitindo ao meu, em maior quantidade, energias do lugar onde cresceu. Eu já estive por lá, então reconheço.

- Se o senhor é assim tão esperto, então diga: de onde sou?

O Conde abriu um sorriso, chegou mais perto, fingiu que farejava meu cheiro e disse:

- 21º , latitude Sul ; e 43º , longitude Oeste. Mais ou menos. – Sorriu – Carregas muita energia deste lugar.

- Nem eu sei onde fica isto. Não tenho aqui comigo nada para confirmar essas coordenadas. - O Conde interrompeu:

- Tu és do Brasil, da região das vertentes, nas Minas Gerais, onde o pôr-do-sol colore as montanhas com diferentes tonalidades de verde e as nuvens com incontáveis cores. Por aqui temos poucas nuvens, logo, menos cores no céu. Mas ainda assim, o pôr-do-sol no litoral da patagônia é inspirador, não achas?

Fiquei engasgado. Ele realmente sabia alguma coisa sobre mim. Como ele conseguiu fazer aquilo? Talvez eu morra sem aprender. Naquele momento, exclamei:

- Impressionante!!! – e perguntei – E o senhor, de onde é?

Deu uma gargalhada.

- Não lembro. – outra gargalhada.

- Não lembra ou não quer falar?

- Excelente pergunta, meu jovem. Não sei se quero lembrar.

- Mas e a energia que carrega do lugar onde cresceu?

- Deixei para trás, o que carregava em excesso. Eu preciso ser pedaços iguais de todos os lugares. Não posso ser como tu, que tens raízes muito fortes em um só lugar. Eu pertenço ao planeta inteiro.

A esta altura, já estava muito curioso para saber algumas coisas daquela figura perturbante.

- Há quanto tempo está longe de sua terra natal?

- Lá se vão cerca de 5 anos.

- Para um viajante, isto me parece pouco tempo.

- Lembra-te que a minha espécie vive menos que a tua. Nossa expectativa de vida é de 14 anos. Com sorte, quero chegar aos 16 ou e prolongar minha jornada.

- Por onde o senhor já viajou?

- Já vaguei pela Europa e estou quase completando as Américas de norte a sul. – mostrou-se orgulhoso.

- Inacreditável!!!!

- Gosto da minha vida. Conheço sempre criaturas muito interessantes, de todas as formas e origens. Certa vez, quando estava em 40º Norte e 73º Oeste, perto da sede das Nações Unidas, encontrei um homem da sua espécie que nascera bem pertinho de onde nasci e tinha contatos com as pessoas que eu conheci no meu primeiro ano de vida. Sei disto porque reconheci nele um pouco da energia daquela casa gigantesca. Foi ótimo sentir novamente a energia da minha mãe, que aquele sujeito elegante carregava.

Aproveitando o momento de sentimentalismo, fui rápido:

- Onde fica esta casa grande?

- 47º Norte e 9º Leste.

- Onde fica isto? - insisti.

- A casa onde meus pais moram até hoje está em Vaduz, Liechstestein. Eles moram no Palácio do Príncipe.

Fiquei surpreso com a informação. Por que alguém que nasceu em um castelo real abandonaria tudo para viver vagamundo?

- Qual seu nome? - enfim, perguntei.

- A pequena princesa me deu o nome de Conde. Muito prazer! - abriu um sorriso de satisfação.

Absorto pela curiosidade, segui fazendo perguntas sobre suas origens.

- Você foi batizado pela princesa?

- Sim, sim.

- E ela cuidava bem de você, senhor Conde?

- Desde que nasci, a pequenina sempre foi apaixonada por mim e dedicava-me muito carinho. Vivíamos grudados. Certamente, ela foi quem mais sentiu a minha partida.

- Mas se era tão bom, por que deixou a vida com a princesinha?

- Eu precisava conhecer o mundo. Senti este chamado da minha alma aventureira. Diferentemente dos demais da minha família, eu gosto de perambular e desbravar novos lugares em vez de ficar sempre ao lado do humano, fazendo tudo o que ele quer. Eu precisava ser livre, mesmo que isto custasse a minha vida de nobre.

- É realmente uma opção muito dura. O senhor não tem vontade de voltar a vê-la?

- Sim, claro que sinto. Tocaste, agora, profundamente meus sentimentos. Eis porque evito lembrar-me do passado. Nos primeiros dias de minha viagem, pensava constantemente no sofrimento daquela criança. Mas eu realmente não podia ficar. Um mundo cheio de surpresas aguardava ansioso a minha jornada.

- E qual o destino dessa sua jornada?

- Algum lugar, mas não tenho nenhum local premeditado. Os últimos ventos me trouxeram ao sul deste continente encantado e acredito que seguirei neste rumo até a latitude de 55º do hemisfério.

Fiquei sem perguntas e o Conde permaneceu ali, parado, contemplativo.

Ele rompeu o silêncio após alguns minutos:

- Meu jovem. Foi ótimo sentir novamente a energia da tua terra-mãe. Agora, devo partir. Fique em paz!

Virou-se de costas para mim e partiu, rumo ao sul.

Não me agüentei e gritei:

- CONDE, VOCÊ É LOUCO!!! - e continuei falando - onde já se viu largar um palácio com todo o conforto que alguém pode ter e gastar a vida toda procurando nada!!!

Então, o Conde deu meia volta, aproximou-se elegantemente e disse com um ar cordial:

- Quem acusas de louco, meu bom amigo? – uma breve pausa - É verdade que eu abandonei o luxo para seguir uma viagem longínqua e indefinida, mas és tu quem passou a última hora a conversar com um cachorro!!!

2 comentários:

Frederico disse...

valeu a pena esperar.

texto muito bom sandro.

Frederico disse...

conde de cú é rola...atualiza essa joça aqui subrim hehehehehe