domingo, 4 de dezembro de 2016

O apartamento.


Jonivan conheceu Andrea no trabalho. Os dois são professores. Ela dá aulas de Matemática e ele, História do Brasil. O rapaz foi recentemente aprovado em um concurso e finalmente apresentado aos colegas em uma reunião.
 – Este é o Jonivan, nosso novo professor de História. Eu gostaria que todos vocês  dessem alguma atenção a ele, pois é novo na cidade, precisa de lugar para morar, precisa de umas dicas sobre transporte, compras, lazer, essas coisas. – Introduziu a Diretora.
Desde o primeiro momento houve troca de olhares entre Jonivan e Andrea. A visão do outro parecia oferecer a cada um justamente aquilo que esse um necessitava.
      Eu sei de um apartamento que está alugando. Não é longe daqui. O local é tranquilo, o ônibus passa a duas quadras, tem farmácia, padaria, tudo perto. Vocês lembram do lugar que eu morava, com o meu ex-marido? – Adiantou-se Andrea.

      Ah, eu lembro. Dá até pra ir de bicicleta, se você não for sedentário. Você pedala, Jonivan? – cortou Matilde, a professora de Educação Física. As duas trabalham na mesma escola e também em uma escola para adultos há mais de dez anos. Nunca tiveram uma briga séria. Matilde e Andrea são amigas confidentes, que sabem tudo, ou quase tudo, sobre a intimidade da outra pessoa.

      Não, eu não tenho bicicleta. Mas tem ônibus, não tem? – Devolveu Jonivan, que não faz o tipo esportista.

      Sim, você só precisa caminhar duas quadras. Além disso, a casa está mobiliada. – Continuou oferecendo Andrea.

Jonivan acabou aceitando a oferta. Parecia-lhe bastante conveniente. O aluguel não era caro, o ponto era bom e o acesso ao trabalho seria fácil. A mudança aconteceu ainda na primeira semana que Jonivan chegou. Andrea intermediou as negociações com o ex-marido, atual proprietário do imóvel, e Jonivan nem precisou cumprir as burocracias normalmente exigidas pelas imobiliárias.
A transação do aluguel aproximou Jonivan de Andrea. Ela o convidou para conhecer a cidade e apresentou lugares que considerava especial. O entrosamento entre os dois foi imediato. Jonivan falava coisas que Andrea gostava de ouvir. Ela falava coisas que ele gostava de ouvir. Ele gostava de olhar para ela e ela gostava de olhar pra ele. Eles se beijaram numa noite de lua cheia, uma semana depois que ele se mudou para o apartamento.
A vida estava boa para Jonivan. Recebia seus primeiros salários como professor de um Instituto Federal, morava bem na capital do estado, tinha uma namorada bonita e estava cheio de planos para o futuro.
Andrea também estava feliz com o novo namorado. Mas evitava visitar o apartamento onde morou com o ex-marido. A primeira discussão que tiveram foi justamente sobre isso:
-       Eu prometi pra você resolver a transação dos documentos, mas eu não queria entrar naquele apartamento. Eu não quero entrar naquele lugar. Você vem dormir comigo, no lugar que é meu. -  Disse com firmeza Andrea.

-       Eu entendo que o apartamento traz más lembranças... – disse Jonivan, em tom compreensivo, sem querer discutir.

-       Eu tenho péssimas recordações daquele lugar. E o que o sacana do Osvaldo fez comigo não se faz com ninguém! – continuou Andrea.

-       Mas o seu problema é com o apartamento ou é com o Osvaldo, que tirou o seu apartamento na justiça? – retrucou Jonivan.

-       O apartamento me lembra o que o Osvaldo me fez. Foi terrível. Eu me senti a criatura mais desamparada da face da terra. Eu não quis voltar para a casa da minha mãe. Vivo até hoje de aluguel, você sabe. – explicou Andrea.

-       Tá, mas você foi lá fazer negócio com ele, mesmo sabendo que é um canalha. Eu nunca vi esse dono do apartamento. Você fez toda a negociação e agora vem dizer que o apartamento te lembra o ex-marido?

-       Ai, meu bem. Você precisa me entender. Não gosto de falar nesse assunto. Eu fiz a negociação porque eu sabia que você estava precisando de um lugar pra morar. Ainda existe generosidade neste mundo, tá me ouvindo? Eu engoli meu orgulho, fui ao escritório dele (Osvaldo é advogado) e falei que tinha um amigo querendo alugar o apartamento. Ele ainda riu de mim, falou que eu seria a fiadora. Que se você não pagar o aluguel, ele vai tomar o meu carro. Ele é um monstro, filho da puta. – desabafou Andrea. – Enfim, ele concordou e você está bem alojado, isto que é importante!

Um ano se passou desde a discussão. O assunto do ex-marido nunca mais voltou à pauta das discussões. Andrea seguia resistente em visitar Jonivan no apartamento e ele a respeitava. O casal, praticamente, vivia no apartamento que ela alugava, mais distante da escola e menor que o de Jonivan. Não havia filhos.
A vida estava boa para Jonivan. Recebia seus salários regularmente, morava bem na capital do estado, tinha uma namorada bonita e estava cheio de planos para o futuro. Entre esses planos, estava o de comprar a casa própria. Achou por bem revelar suas intenções à namorada.
-       Andrea, meu amor, o banco liberou o empréstimo. Agora posso comprar uma casa ou um apartamento. Acho mais viável um apartamento.

-       Que ótimo, meu bem. É um sonho que está sendo realizado! Estou muito feliz por você. Vou te ajudar a procurar. A Matilde teve um namorado corretor de imóveis, acho que pode ajudar. -  respondeu Andrea.
Matilde era confidente de Andrea, mas não sabia o que se passava na mente da amiga. Matilde colocou Jonivan em contato com o corretor e ele começou rapidamente a procura.
Em meio à indecisão de Jonivan, Andrea trouxe de volta o assunto silenciado:
-       Meu amor, você quer saber uma coisa? Eu voltaria naquele apartamento, um dia, se eu fosse dona dele.
-       O que você quer dizer com isso, minha linda? Você quer que eu compre o apartamento, pra gente morar nele?
-       Eu só estava pensando alto... 
-       Não, você está fazendo uma proposta.
-       Você gosta do apartamento, não gosta? Eu poderia ser muito feliz ali com você.
-       Vou pensar seriamente sobre isto.
Jonivan pensou e pensou. Interrompeu as buscas. Já não achava graça nos outros apartamentos. Dizia para si mesmo que estava satisfeito no apartamento alugado desde quando chegou na cidade. E além de um bom negócio, ele pensou em fazer a namorada feliz. Assim que pegasse os documentos, pediria sua mão em casamento. Seriam felizes para sempre no apartamento que ele gostou e que exerce uma força misteriosa sobre ela.
Matilde estranhou a decisão e indagou Andrea:
-       Que maluquice é essa, mulher? Você vai fazer o cara comprar o apartamento do seu marido? E vocês vão viver lá? Acho que você enlouqueceu. E o Jonivan, coitado, enlouqueceu junto.
-       Não tem maluquice nenhuma. Eu acho que esse é um momento de mudança na minha vida. Eu mereço, você não acha? Já sofri muito. Vou dar a volta por cima, você vai ver. – respondeu Andrea.
-       Eu só não sei que volta é essa que você está querendo dar...  -  Matilde demonstrou seu incômodo com a situação.
Jonivan, finalmente, iria conhecer Osvaldo, para assinarem os papéis e transferir o título do apartamento. Encontraram-se todos no cartório: Jonivan, Andrea e Osvaldo que provocou o comprador:
-       Você está com a minha ex-mulher e agora quer comprar o meu apartamento. O que mais você quer de mim? Quer o meu dinheiro também? – e riu mostrando todos os dentes
Jonivan não respondeu. Preferiu o silêncio e pensou consigo que esta não era sua vingança, mas a da namorada. Nos últimos dias, ela o convencera a fazer o termo de compra e venda em seu nome. Seria sua volta por cima contra o ex-marido. Quando chegaram os papéis para assinar, Osvaldo fez uma cara de susto no momento em que Andrea tomou a frente para assinar. Na sua vez, ele fez objeção:
-       Ei, isso não vale. Eu não li esta última versão.
-       Deixe de cena, Osvaldo, você já recebeu o dinheiro. Assine logo e me devolva o que é meu. – disse Andrea, com ar triunfante que deixou Jonivan orgulhoso.
O casal foi direto para o apartamento recém comprado. Tudo como Jonivan havia planejado. Ele fez o pedido de casamento na sala. Ela ficou emocionada e chorou muito. Chorou pelo retorno ao velho apartamento e chorou pelo pedido de Jonivan. Tiveram uma noite de amor como jamais tiveram antes.
A vida estava boa para Jonivan. Recebia seus salários regularmente, morava bem na capital do estado, tinha uma noiva bonita e um apartamento. Até que um dia, chegando em casa após um rotina extenuante de aulas, não conseguiu entrar em casa. A fechadura fora trocada. Ficou desesperado. Gritou por Andrea. Xingou Andrea. O zelador do prédio apareceu, com duas malas grandes. Eram as roupas e os pertences de Jonivan. O homem também entregou um bilhete.
-       Querido Jonivan. Osvaldo e eu decidimos recomeçar o nosso casamento. Estamos saindo de viagem para comemorar. Na volta, vamos morar no apartamento. Estou muito feliz. Obrigada por tudo, sua amiga, Andrea.
Jonivan ficou sem entender nada. Recomeçar casamento? Morar com o outro no apartamento? Amiga? Depois de toda a dedicação? Ele não podia organizar as ideias. Não queria acreditar. Mas o zelador com expressão de pena não deixava ele se enganar. Fora brutalmente apunhalado. A pessoa que ele mais confiou e que ele amava mudou a fechadura da porta e decidiu trocá-lo pelo ex-marido. Ou talvez fosse um golpe premeditado, imaginou...  E isto o fez sentir-se ainda pior.
- E ainda por cima estão curtindo com o meu dinheiro! – concluiu, transformando o desespero em ódio.
Tomado por uma fúria incontrolável, Jonivan jogou-se contra a porta diversas vezes, tentando arrombar, e só parou quando machucou o ombro. Começou a chorar copiosamente. Estava arrasado. Foi traído pela pessoa que amava, ficou sem mulher, sem apartamento e sentia-se vitima de uma golpe. Chutou as malas, quebrou vasos de plantas no corredor do edifício, insultou o zelador e saiu correndo em direção à rua. Sem pensar muito, seguiu correndo até a avenida onde se pega o ônibus. Não parou. Chorando, cruzou a avenida correndo e se chocou contra um carro que passava em alta velocidade.
Matilde foi quem avisou a família.