Um dia Chiquinho saiu pela cidade sorrindo para todo mundo. Não havia criatura que passasse desapercebida. Cumprimentou os vizinhos, os desconhecidos, todos que passavam pelas ruas. Foi simpático com todos os bichos, dos cães aos insetos minúsculos. Parou por vários minutos a sorrir para uma formiga que havia perdido a trilha e disse (em volume suficiente para os transeuntes ouvirem):
- Ora, ora, pequenina, não consegue achar o caminho de casa? Venha comigo e eu vou te ajudar!
- Meu rapaz, veja aqui na gola de sua camisa, uma formiga, tire-a daí.
A velhinha fez o sinal da cruz e disse:
- Que pena, tão bonito, mas tão desajustado!
Chiquinho nem deu importância. Agradeceu a boa vontade da senhora e seguiu olhando para o chão, procurando o caminho das formigas. Não foi fácil, porque as pessoas não paravam de caminhar por ali. E todos dizendo: - Sai da frente, maluco!
Chiquinho procurou até achar. Achou. A formiga correu rapidamente pelo seu corpo até o chão, finalmente encontrou a trilha para casa e se foi. O bom rapaz ficou muito contente por ter ajudado uma criatura indefesa. Ganhou o dia!
Seguiu perambulando, sorrindo para todos, ajudando as pessoas idosas, os deficientes, os insetos e os animais de rua. Ele era a melhor coisa que acontecera naquela cidade desde a fundação. Mas a cidade não sabia disto. Seu comportamento constantemente alegre e carinhoso e seu amor por todas as coisas vivas foi motivo de grande estranheza. Dois dias depois do episódio da formiga, que todos na pequena cidade tomaram conhecimento, ele virou motivo de risos. Era o maluco Chiquinho.
Totalmente bem consigo mesmo e em harmonia com a natureza, Chiquinho seguiu feliz. Ignorava as provocações que ouvia e sempre sorria para os mais agressivos, que o ameaçavam de espancamento se continuasse a agir como um afeminado e trocar afagos com cães e gatos.
Seus antigos amigos o deixaram de lado. Ninguém queria estar perto dele, pois estava doido, todos achavam que ele não era boa companhia. Na família, ninguém compreendia direito sua situação, mas continuaram dando-lhe moradia, comida e algum carinho.
O diferente comportamento começou em casa, quando ele observava a troca de carinhos entre dois mosquitos sobre a folha de uma planta que ficava cada momento mais bonita e viçosa ao contato com a luz do sol.
A mãe de Chiquinho pedira para que ele colocasse a planta no sol, e ele percebeu, pela primeira vez em 20 anos, que a planta gostava do sol tanto quanto ele próprio.
- Que interessante! – exclamou – A natureza é mesmo uma coisa só. E percebeu que sobre uma das folhas da planta, estava um casal de mosquitos copulando. – E viva a vida! Vocês mosquitos e você planta são seres vivos como eu. De agora em diante, eu serei o melhor dos seres humanos. Serei amigo dos homens, dos bichos e dos vegetais.
Uma vez a mãe havia contado uma história sobre um tal São Francisco de Assis, que fora um homem muito bom, o mais bondoso e mais caridoso homem de sua época. Ele era amigo dos animais e sua doutrina de vida caridosa se espalhou por vários cantos do mundo. Chiquinho vislumbrou-se o novo São Francisco
Deste dia em diante, saia para a rua logo cedo distribuindo boa vontade e voltava em casa apenas para comer e dormir.
- Coitadinho do meu filhinho. – a mãe
- Precisamos de ajuda profissional. Não podemos continuar assim. Todo mundo na cidade ri do nosso filho, tem até quem queira bater nele só porque ele passa o dia todo sorrindo. - o pai estava realmente preocupado - e a gente sabe que muito sorriso é sinal de pouco juízo.
- Eu proponho perguntarmos para o padre Paulo primeiro.
Foram, então, até a casa paroquial. Lá encontraram padre Paulo, que acabara de rezar a missa da noite.
- Veja esta, senhor padre, nosso filho Chiquinho cismou agora que é a reencarnação de São Francisco de Assis. – a mãe transtornada.
- Percebo que este comportamento está prejudicando toda a família. Você não devia sair por ai espalhando essas mentiras, meu jovem. – disse o padre, muito sereno.- Eu não minto. Eu apenas faço o que ninguém mais faz. Estou à disposição de quem precisar de ajuda. – Chiquinho fala com doçura, porém, firmeza.
- Olhe bem, Chiquinho. Você tem um problema de achar que é uma outra pessoa. Os médicos hoje em dia são capazes de curar casos como o seu. Uma pessoa não pode se dizer um santo da noite para o dia, é um processo de toda uma vida dedicada a Deus e à igreja.
- Eu acho tanta graça de vocês. O pior de tudo é que ainda acreditam nas próprias bobeiras que contam. São Francisco foi santo independentemente da sua igreja, ele foi santo porque foi um homem que distribuiu amor, paz e esperança, e assim sou eu. – Chiquinho sorriu, como de costume.
O padre não quis continuar a conversa. Desculpou-se com a mãe, carola da igreja, e aconselhou procurarem acompanhamento médico. Não havia psiquiatra na cidade. Procuraram, então, o médico amigo da família, que disse:
Psiquiatra e santo conversaram por duas horas. Após, Chiquinho foi permitido caminhar pela área onde os internos circulavam e o médico reuniu-se com os pais para o diagnóstico:
Certo dia, quando encontrou o Dr. Albuquerque nos corredores do hospital, o santo se manifestou:
O médico não deu ouvidos. Chamou um enfermeiro e mandou aplicar-lhe uns calmantes.
Os anos se passaram. O psiquiatra aposentou. Os familiares, que visitavam mensalmente, faleceram. E a sociedade manteve São Francisco preso, indefinidamente, até o dia de sua morte, com buracos nos pulsos e pés, cortes na cabeça, cicatrizes nas costas e um buraco na altura das costelas; feridas que ninguém sabe explicar de onde surgiram.
Um comentário:
Ôôôô vagabundo iluminado: será que dava pra ser gente boa também e dizer a empresa para a qual trabalha? Queria mandar meu currículo.
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